28 de fevereiro de 2013

Porque você provavelmente vai acabar numa cesariana - por Ana Cris Duarte

Além da desinformação, foi por tudo isso que cai numa cesárea...chega a dar nojo!
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Carta Fictícia escrita pela parteira Ana Cristina Duarte que fala sobre a realidade obstétrica Brasileira.

"Querida Amiga: saber da sua gravidez só me trouxe alegrias. Na verdade muitas alegrias e uma preocupação. Um dia o bebê vai nascer e eu temo pela qualidade desse nascimento, em tudo o que não depende de você e de sua vontade. Por isso eu queria aqui te contar porque é que você dificilmente escapará de uma cesariana, ainda que deseje ardentemente um parto natural/normal.
Bola de cristal? Imagina, você que pensa! Curso básico de estatística, terceiro ano colegial, lembra?
Primeiro vamos aos fatos. - A imensa maioria dos hospitais privados em nosso estado, em nossa cidade, têm por volta de 90 a 95% de cesarianas.- Tem três pesquisas científicas muito bacanas mostrando que 70% das mulheres querem parto normal. - E temos a Organização Mundial da Saúde dizendo que apenas 15% das mulheres precisam de cesárea.
Em algum momento, entre o começo do pré natal e o parto, as mulheres acabam na cesárea, não precisando e não desejando.


Por outro lado, vamos ao plano de saúde.
- Um médico de plano ganha por volta de 300 a 500 reais para realizar um parto.
- Supondo que ele esteja de plantão no dia e tenha que chamar um substituto para cobrir o plantão, ele vai pagar R$ 600 a R$ 800 para o substituto. Então ele já perdeu uns 200 a 500 reais para te atender.
- Se ele deixar de atender 6 horas de consultório por sua causa, são por volta de 20 consultas de 40 reais, assim por baixo. R$ 800 de prejuízo, no mínimo.
- Se ele tiver que pegar a estrada, pagar pedágio e chamar uma babá para dar conta das crianças, são R$ 300 reais.
- Portanto o fato é que parto normal, para os médicos de convênio, representa um prejuízo financeiro enorme.


E por fim, vamos à terceira questão. Eu chamo isso de "Fator Varella". Disse Drauzio Varella certa vez em entrevista à Revista Claudia:- Parto normal é muito chato. É muito mais fácil botar a mulher na maca e "Pumba!" fazer uma cesárea.


O fato é que muitos obstetras não querem mais atender partos normais. Fizeram tantas cesarianas que perderam a paciência e a mão. Sem essa vivência diária do parto normal, perde a capacidade de achar soluções e operam como solução para qualquer problema. 


Assim, acham que passar de 40 semanas, bebê grande, bebê de costas, bebê alto, tudo é indicação de cesariana. E a maioria das obstetras optou por cesáreas, para si e para suas parentes. Idem para os obstetras homens, em relação à suas mulheres. Portanto é claro que não irão fazer para você algo que consideram "pior" ou "mais arriscado".

Às vezes o médico tem um discurso maravilhoso, e até acho que pode ter boa fé. Mas no fim, com a barriga crescendo, a pressão do convênio, da rotina, da vida doméstica, e o imenso prejuízo financeiro que ele certamente vai levar atendendo seu parto, tudo isso vai fazer com que ele não tenha outra saída a não ser pedir um ultrasom com 37 semanas e descartar seu parto porque o bebê está grande/pequeno, você está gorda/magra, o líquido ficou muito/pouco, etc.. E sua cesárea será marcada, junto com outras 2 ou 3 clientes, para facilitar a vida nada fácil que ele leva.


Eu não acho que seja sacanagem dele. Acho que ele é apenas mais um elo enferrujado de uma corrente que não nos serve mais. Não tenho soluções fáceis para você, nem sequer garantias. Só queria que você entendesse que a sua vontade, frente a essa imensa engrenagem que são os planos de saúde, os hospitais particulares, os médicos cansados e sobrecarregados, não vai representar muito, na hora da decisão. A nossa vontade fica tão menor do que tudo isso, que ela não consegue fazer a roda da engrenagem girar no sentido contrário.

Seria preciso muito mais do que desejo. Se quiser qualquer ajuda para achar as saídas, as rachaduras do sistema, me fala, que eu vou gostar muito de te ajudar. E se decidir marcar sua cesárea, faça-o sem o famigerado sentimento de culpa, que em nada nos ajuda. Entenda os riscos, minimize-os o tanto quanto seja possível, e pronto.


A maternidade não se resume ao parto, nem é definida pelo parto, assim como um casamento não se resume à cerimônia, nem por ela é definido. Eles são os portais, e como tal, tem sua importância. O que se perde num nascimento de qualidade, nós podemos recuperar ao longo da vida. Cada um de nós sabe até onde consegue ir, quais leões gostaria de matar por um nascimento suave, respeitoso, delicado, amoroso, silencioso.
Vá até onde você deseja e saiba que estou ao seu lado, sempre. 


Um abraço forte!"

24 de fevereiro de 2013

Eu não tive dilatação! - texto por Ana Cris Duarte

Este texto é mais uma contribuição da parteira Ana Cris Duarte, no qual ela explica se realmente existe o "diagnóstico" de "falta de dilatação". Agora creio eu que fica muito  clara esta questão da dilatação. E que na verdade existe falta de paciência pelo médico. Leiam e esclareçam suas dúvidas!



"Levanta o mouse para cada vez que você ouviu essa frase, e também se você a proferiu. Não, esquece, você deve ter outras coisas a fazer depois de algumas horas levantando o mouse sem parar.

Vamos aos chocantes fatos: não existe falta de dilatação. Mas por favor, antes que você comece a ranger dentes e ficar com os olhos vermelhos de ódio, leia esse texto até o fim. Se sobrar alguma dúvida ou restar a discordância, conversemos com amor!

A dilatação do colo do útero é um processo passivo que ocorre quando as contrações encurtam as fibras musculares do útero, empurrando o bebê para baixo e puxando o colo para cima. Essas contrações, uma após a outra, vão puxando o colo de tal forma contra a cabeça do bebê, que é como se ele estivesse vestindo uma blusa de gola muito apertada. Cada vez que o útero contrai no trabalho de parto, a gola veste mais um pedaço de milímetro de sua cabecinha.

A contração passa, o colo relaxa, mas não volta a fechar o que já abriu. Na contração seguinte, é puxado mais um pouco. Lá pelas tantas o colo "veste" toda a cabeça do bebê, em seu maior diâmetro. Essa é a "dilatação total", e nessa hora o colo do útero tem aproximadamente 10 cm de diâmetro. 

Porque então tantas mulheres (especialmente as usuárias do serviço privado) têm tantos problemas de dilatação? Bem, existem algumas causas, vamos a elas:

1) Se a mulher não entrar em trabalho de parto e não ficar em trabalho de parto, ela obviamente não terá dilatação (a não ser que tenha uma patologia que a faça dilatar precocemente). Portanto quando a mulher vai na consulta de 38, 39 semanas, e o obstetra diz que ela não tem dilatação, o certo seria responder: "Claro, doutor, se eu estivesse em trabalho de parto eu saberia".

2) O trabalho de parto é caracterizado por contrações espontâneas de 3 em 3 minutos (aproximadamente), que duram de 1 minuto a 90 segundos. Em outras palavras, quando a mulher fica 12 horas "em trabalho de parto", com contrações a cada 10 minutos, isso não era trabalho de parto. Isso eram os pródromos, o princípio, a fase de instalação do processo do parto.

3) Tem mulher que demora mais para entrar em trabalho de parto efetivo, e pode ficar 2 ou 3 dias com contrações ritmadas, mas que não chegam a engrenar nos 3 em 3 minutos. É preciso muita paciência e muita doula para lidar com essa longa latência, mas o fato é que uma hora ela vai entrar em trabalho de parto.

4) Quando a bolsa se rompe e não há dilatação, é necessário esperar. Após longa espera, é possível se induzir o parto. Uma indução bem feita (preparação do colo com prostaglandinas e posterior aumento da dinâmica com ocitocina) pode levar 48 horas facilmente. Nem todo serviço e nem todo obstetra está disposto a ficar 48 horas induzindo um parto.

5) Ocitocina aplicada numa mulher sem dilatação só faz provocar contrações dolorosas, intensas, e que não fazem o colo do útero dilatar. Muitas vezes essa é a "técnica de convencimento" que alguns profissionais usam para a mulher desistir do parto normal e pedir uma cesárea pelo amor de Deus.

6) Dependendo do estado de tensão da mulher, ela pode bloquear a dilatação ou ter um processo muito lento, absurdamente lento. Para essas mulheres, a analgesia de parto normal (peridural ou combinada, raqui não) pode ser um tremendo alívio e não foram poucas as vezes que vi mulheres estacionadas nos 3 ou 4 ou 5 cm há muitas horas evoluírem para parto espontâneo apenas duas horas após analgesia. E se duvidam, posso indicar um anestesista com quem trabalho e que já testemunhou inúmeros casos assim, para explicar como isso funciona.

7) Em dez anos trabalhando semanalmente com três equipes que têm 10% de cesarianas, mais de 400 mulheres atendidas por mim quando era doula, além das centenas atendidas por elas em que eu não estava presente, mas sim outras doulas, eu nunca vi uma cesariana feita por falta de dilatação. Nunca! Nos 10% de cesarianas em trabalho de parto entraram basicamente: estresse fetal antes da dilatação total ou desproporção céfalo-pélvica. Em outras palavras, as poucas cesarianas feitas antes da dilatação total foram feitas porque o bebê se cansou e não dava mais para esperar terminar o processo de dilatação, sob risco dessa espera fazer mal ao bebê.

8) Para chegar de fato nos dois últimos centímetros de dilatação e atingir a tal  "dilatação total", o bebê já tem que estar descendo através da bacia pélvica. Por isso, nos casos em que há a verdadeira desproporção céfalo-pélvica, a mulher dilata até 8-9 cm. Talvez esse último centímetro que falta jamais venha a ser vencido. Após todas as tentativas de ajudar o nascimento, às vezes com algumas intervenções, pode ser que o bebê de fato não passe pela bacia pélvica, e nesse caso a cesariana seja feita quando a dilatação estacionou nos 8-9 cm.

9) A dilatação não é um processo simétrico. Ela depende da posição da cabeça do bebê. Normalmente o último centímetro a abrir está à frente da cabeça do bebê, próximo ao osso púbico materno, internamente. A esse último centímetro chamamos de "rebordo de colo" ou "rebordo anterior". Com paciência, esse último centímetro desaparecerá, e o bebê nascerá. Às vezes pode ser preciso ou pode ser útil abreviar o tempo do parto reduzindo-se esse último centímetro com um exame de toque. Isso se chama "redução do colo". É um processo doloroso, que deve ser evitado a todo custo, se possível.

10) A única coisa que pode impedir um colo de dilatar é um tumor grave no tecido. Tirando essa situação, todas as mulheres irão dilatar, se tiverem os recursos, tempo e equipe necessários.

Para aguardar que todas as mulheres dilatem, precisamos ter disponíveis profissionais bem dispostos, sem pressa, com repertório, incluindo parteiras, doulas, obstetras, anestesistas e pediatras. É preciso haver recursos completos para alívio da dor como ambiente agradável, bola, banqueta, banheira, chuveiro, massagem, alimentos, conforto para os acompanhantes, etc. E por fim, é preciso ter disponível analgesia de boa qualidade para as poucas mulheres que necessitam".


Disponível aqui

22 de fevereiro de 2013

Parto Domiciliar Planejado: algumas coisas que talvez você não saiba - por Ana Cristina Duarte

ANA CRISTINA DUARTE, OBSTETRIZ PELA USP E INSTRUTORA EM CAPACITAÇÃO DE DOULAS, É COORDENADORA DO GRUPO DE APOIO À MATERNIDADE ATIVA (GAMA).


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Vejo muita gente dando palpite sobre parto domiciliar, especialmente profissionais de saúde, onde demonstram claramente que não fazem a menor ideia do que estão falando. Ouviram um pássaro cantar e já vão falando que é o Galo da Serra, sem nunca terem nem ouvido esse canto, muito menos visto a espécie. Achei por bem enumerar alguns fatos sobre o parto domiciliar planejado (PDP) que podem derrubar alguns mitos.



1) Qual gestante pode ter um PDP?
Gestantes saudáveis, com pré natal sem intercorrências, com um bebê único, posicionado, com mais de 37 semanas, com trabalho de parto espontâneo (não induzido)

2) Até onde vai o PDP? Ou até quando a gestante não pode mais mudar de ideia?
Vai até onde estiver seguro e sem intercorrência ou sem suspeita de possível intercorrência. Batimentos cardíacos fetais normais, mãe em boas condições. A qualquer sinal de possível intercorrência, a opção de retaguarda será acionada e o parto passa a ser hospitalar. A gestante pode mudar de ideia a qualquer momento e ir para o hospital para analgesia ou o que mais quiser.

3) Como se sabe que está tudo bem?
Através dos controles periódicos dos batimentos cardíacos do bebê e dos sinais vitais maternos, o que ocorre durante todo o trabalho de parto.

4) Como esteriliza a casa ou o quarto para o parto?
Isso não existe, nem no hospital, nem em casa. O que se faz no hospital é a limpeza da sala entre um parto e outro com materiais de limpeza, mas a única coisa que é esterilizada no hospital é o que entra em contato com o parto em sim, com as cavidades, cortes, etc. Em casa é a mesma coisa, o que for entrar em contato com "aberturas corporais" estará esterilizado. A questão que preocupa na contaminação hospitalar é o contato da gestante com virus e bactérias que causam doenças e que sempre estão presentes em ambientes hospitalares. Em casa essas bactérias não existem, não houve cirurgias anteriores, tratamento de doentes, nada disso. 

5) Mas e o pós-parto? Como fica a bagunça do parto? Quem cuida do bebê?
Após parto a equipe limpa toda a casa e elimina todos os vestígios do atendimento, materiais com sangue, restos, etc.. Com relação ao bebê, assim como no hospital, após ser examinado e vestido, ele fica sob cuidados dos pais em alojamento conjunto, o mesmo ocorre em casa. Os profissionais farão as visitas pós-parto e estão de prontidão para uma visita imediata durante toda a semana posterior ao parto.

6) Quem é o profissional que atende esses PDP?
Enfermeiras obstetras, obstetrizes e médicos podem atender esses partos. Doulas não podem atender partos, elas podem dar assistência emocional, apoio, mas não atendem os partos. As equipes são compostas pelo menos de um profissional desses anterioremente citados, podendo chegar a três profissionais, sendo que todos são capacitados para o atendimento de emergências obstétricas e reanimação neonatal

7) Quais procedimentos podem ser feitos num PDP?
Nenhum procedimento. Para acelerar, induzir, usar fórceps, etc, a gestante é levada ao hospital.

8) O que esses médicos/enfermeiras/obstetrizes levam para o atendimento em casa?
Todo o material estéril (agulhas, seringas, campo estéril para sutura, agulha de sutura, anestésico local, material de sutura, luvas, antisséptico, etc).
Todo o material de reanimação neonatal (tapete aquecido, ambu, máscara, cilindro de oxigênio, material de aspiração, material de transferência, etc).
Todo o material para emergência pós-parto materna (soro, material de punção venosa, drogas anti-hemorrágicas, etc).

9) Tem ambulância na porta?
Não, nenhum país que tem atendimento de parto domiciliar tem ambulância na porta. Essa é apenas mais uma lenda urbana sobre parto em casa.

10) E se acontecer alguma coisa?
Vamos separar o que seria esse "alguma coisa", para facilitar.

a) Com o bebê: se precisar de reanimação, reanima-se em casa, como numa sala de parto qualquer, com ventilação positiva. São as mesmas técnicas e materiais. Mas e se for tão grave que precisar adrenalina? Bebês saudáveis, de pré natal saudável, em partos naturais de termo sem intervenção não necessitam adrenalina. Olhe retrospectivamente para todos os casos de adrenalina e você verá que eram partos prematuros, ou bebês doentes, ou partos absurdamente medicalizados. Se ele tiver alguma malformação inesperada e grave, ele será mantido sob ventilação e transferido para um hospital com UTI neonatal, tal qual se faz em qualquer hospital ou cidade onde não existe UTI neonatal.

b) Com o parto: se for parto pélvico de surpresa, deixa-se nascer com as técnicas normais de parto pélvico; se for distócia de ombros, resolve-se igualmente com as mesmas manobras hospitalares; se precisa de fórceps é porque já era um parto complicado, transfere-se ao longo do parto; se os batimentos não forem bons, transfere-se; se houver mecônio em baixa quantidade e batimentos normais, aguarda-se o parto; se houver muito mecônio ou batimentos anormais, transfere-se.

c) No pós parto: se houver hemorragia, corrige-se com ocitocina, ergotrate e reposição de líquido; placenta retida, transfere-se para remoção no hospital; atonia uterina não é uma entidade de partos normais sem medicalização, mas em tese tranfere-se também. Se houver laceração, os três profissionais têm autorização, técnica e material para suturar sob anestesia local em casa.

11) E dá tempo de resolver?
Os estudos internacionais sobre PDP com equipe experiente mostram que o risco de mortalidade/morbidade não muda em casa ou no hospital e que o PDP é uma opção segura para gestantes de baixo risco. Isso não quer dizer que nada pode acontecer. Mesmo em países com baixíssima taxa de mortalidade, cerca de 1 a cada 500 bebês não viverá fora do útero. E isso poderá acontecer em casa, no hospital, no Brasil, na Dinamarca, nos Estados Unidos.

12) Mas estar no hospital não faz tudo ser bem mais rápido?
Na prática e em geral não. Tirando raras exceções, uma cesariana "de emergência" vai ocorrer num prazo aproximado de 30 minutos, às vezes até 1 hora, às vezes mais. A maioria dos hospitais brasileiros não possui anestesista de plantão, ou não há um disponível e livre o dia todo, nem mesmo uma sala de cesariana pronta e reservada. A idéia de que o hospital é um lugar onde tudo está pronto e disponível é irreal e mora mais no imaginário popular do que no bloco cirúrgico.

Mais informações sobre PDP: