O quê é isso?? O quê está acontecendo?? Que frio!!! Que claridade!!! Quero voltar pro meu mundo.... ME DEVOLVEM!!!! |
Não basta para a mulher ter formação em
saúde para escapar do modelo biomédico de assistência do sistema obstétrico
brasileiro. As mulheres, em sua grande maioria, nem mesmo podem ter o conforto
de confiar na equipe de saúde para ser assistida humanamente. Digo humanamente,
embora muitas nem saibam que, na verdade, gostariam de ser ouvidas e tratadas
de maneira humanizada, ou melhor, todas esperam que as coisas assim aconteçam,
todavia nem todas entendem a dimensão de um trabalho de parto, de um parto, de
um nascimento, de uma amamentação e por isso se esquecem de clarear esses
assuntos para si mesmas, pensando que todas as coisas se encaixarão no momento
certo. E aquelas que possuem o conhecimento, às vezes não têm o suporte
necessário para atender seus anseios e nem a liberdade para protagonizarem suas
vidas. As vontades, as necessidades, os receios se perdem em meio à violência
obstétrica. As mulheres são silenciadas.
A violência inicia-se no momento em que
a mulher escolhe a cesariana como modo de ter o seu filho. (Na verdade, já é
uma violência pensar que existem duas opções de parto: o normal e a cesariana.)
É a violência de exercer poder sobre a natureza, sobre a fisiologia do corpo
humano e sobre o próprio bebê. Essa violência é praticada pela futura mãe e
apoiada pelo obstetra ou outro profissional envolvido, até mesmo pela família e
pelo cônjuge; ou é sugerida pelo médico e aceita pela mulher; ou ainda, é
justificada pelo médico, apesar da tristeza da gestante. Essa última, a
violência da “escolha” do obstetra gera uma obrigação de escolha pela mulher e
causa duas violências: sobre a mulher e sobre o feto. E vai desencadeando cada
vez mais violências: é o médico conduzindo a vida da gestante. A mulher agora
não sabe de mais nada. E culmina na própria cesárea que é a violência física na
mulher e no bebê. A cirurgia violenta o mundo do bebê e o retira brutalmente de
seu aconchego. A cesárea não espera seus pulmões amadurecerem. O médico corta o
cordão umbilical imediatamente após o nascimento, não deixando fluir o aporte
necessário de oxigênio da mãe para o filho. A enfermeira introduz sondas para
aspirar o conteúdo gástrico e o nariz, pinga um colírio nos olhos do bebê,
aplica uma injeção em sua coxa, o encosta por dez segundos no rosto da mãe e
some com ele para o berçário, onde ficará com outros bebês tão sozinhos quanto
ele: violentamente retirado de dentro da mãe e dos braços dela. Daí lhe será
negado o peito pela própria instituição de saúde: o bebê receberá fórmula
artificial ou glicose por mamadeira.
A maioria dos profissionais são “os
especialistas”, sempre focados no que os interessam, no que diz respeito ao que
eles conhecem, e na função que devem desempenhar como tais, comprovando o que a
atual sociedade espera deles. As mulheres confiam e se entregam plenamente aos
cuidados médicos sem nem ao menos questioná-los ou questionar-se, sem assumirem
a responsabilidade por suas vidas e de seus bebês. Cometem uma violência contra
si mesmas. E de violência em violência, acabam traumatizadas com uma experiência
que deveria libertá-las e torná-las verdadeiras fêmeas, mulheres completamente
poderosas. Afinal, tantas mulheres tiveram seus filhos naturalmente por
séculos, por que agora seria diferente? E, ainda, os médicos enganam-se a si
mesmos e a outrem com mentiras sofisticadas (entende-se por justificativas para
intervenções sem cientificidade, obsoletas e/ ou necessidade), temendo a
incompetência como profissionais e mantendo-se em suas zonas de conforto.
É sabido que há a divulgação de fatos,
relatos e experiências de partos, que gritam a realidade obstétrica brasileira,
que sangram da alma de muitas mulheres. Mas por que o universo social a nossa
volta não enxerga isso? Porque é difícil desconstruir a relação de poder de
quem teoricamente detêm o conhecimento, o chamado embasamento científico.
Porque as pessoas sentem-se confortáveis em terceirizar o parto e o nascimento,
sendo uma preocupação a menos. Porque as pessoas guardam apenas informações que
despertam o seu interesse e estejam de acordo com a maneira como desejam
conduzir suas vidas, marcando cesáreas desnecessariamente ou aceitando qualquer
justificativa "médica" para a realização das cesarianas.
A cesariana é uma violência para o bebê
e até mesmo para a mãe, que inocentemente quebra seu vínculo com o próprio
filho em nome do receio à dor. A cesárea arranca o bebê bruscamente de dentro
do útero, sem aviso prévio, sem esperar que ele esteja preparado. Daí vem o
sofrimento respiratório e a má adaptação à vida externa. Ter um parto natural é
um ato heróico, onde a mulher dá prioridade para o nascimento do seu filho.
Preferir uma cesárea é colocar a vida do filho em risco. É se sentir
confortável e poder descansar enquanto o bebê está sufocando. É deixar que
separem um do outro por horas, depois de terem estado juntos por tantos meses,
obrigando o bebê a ficar sozinho e inseguro. É quebrar o vínculo com o próprio
filho. É favorecer acontecimentos tristes, de não-amor e não-segurança para o
bebê. É não reconhecer o bebê como o filho que gestou por tanto tempo. É sentir
uma tristeza profunda e inexplicável no peito. É talvez acordar tarde demais
para melhorar a experiência de se tornar mãe. É ter uma cicatriz no ventre e na
alma.
Simone Menzani Marin
Mãe do Rodrigo, de 1 ano e 8 meses,
retirado por cesárea eletiva, por fragilidade minha e neutralidade médica.
Publicado também no Parto do Princípio
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