Gramática
nunca foi o meu forte. Mas o conceito de objeto e sujeito foi fácil de
entender. O sujeito é quem faz, quem age; o objeto é passivo, quem recebe a
ação. Vamos levar esse aprendizado para a sala de parto. Quem nasce? O bebê,
claro! E, pelo menos num parto natural, quem executa a ação do nascimento –
quem se desliza, gira, emerge – é o bebê. E as exclamações no momento
emocionante em que sai o corpinho deixam isso claro: “ela/ele nasceu!”
Infelizmente, nessa sociedade imediatista e comodificada, isso
foi se perdendo de vista. Sobretudo com a assistência ao parto cada vez mais
padronizada e tecnocêntrica, o bebê é tratado como um objeto, o produto de um
evento regido pela equipe médica. É o médico quem sabe (após dezenas de
ultras, cardiotocos e exames) quando seu produto, quer dizer, o bebê, está
pronto: “Mãezinha, o bebê já tá com 37 semanas; ele tá prontinho para nascer!
Vamos marcar a cesárea”. Ou, para quem tem pacientes um pouco mais informadas:
“Olha, sua placenta já está Grau 3, sinal de que está madura. Vamos retirar
esse bebê antes que alguma coisa aconteça?” Em ambos os casos, fica claro que o
bebê não passa de um objeto – um objeto muito precioso e delicado, sem dúvida –
mas um mero objeto de cena nessa produção chamada “Nascimento”. Mas, como
nos mostra a gramática, esse entendimento do nascimento ignora um fato
inegável: o bebê é o sujeito e não o objeto. E é por isso que eu quis fazer
esse exercício de tentar descrever o nascimento do ponto de vista dele.
Num parto fisiológico, acompanhado por uma equipe que interfere
o mínimo possível, a mulher entra em trabalho de parto após receber um sinal
enviado provavelmente pelo pulmão e pelas glândulas renais do bebê. Ou seja, o
primeiro sinal captado pelo cérebro da mãe, desencadeando a liberação dos
hormônios do parto, vem do bebê. É ele quem diz que está pronto para nascer
(podendo estar com 38, 40, 42 semanas ou até mais). Essa primeira parte do
trabalho de parto – chamada de pródromos ou fase latente – é lenta, e o bebê
não participa ativamente. Se for muito sensível, sente como um abraço as
contrações ainda fracas e, por hora, espaçadas do útero, acolchoadas pela água
que o cerca. Com sorte, ele está de cabeça virada para baixo, com as costas
viradas para o umbigo da mãe, na posição mais favorável para iniciar sua
descida sinuosa pelo canal de parto. Como um atleta prestes a dar um mergulho,
ele aperta o queixo em direção ao peito. Na fase ativa, em que o útero de sua
mãe trabalha com toda a força para afinar e abrir o colo (saída do útero), é
capaz de o bebê sentir os abraços com mais força e, quem sabe, começar a
contribuir para que a abertura aumente. Com sua cabeça, ele faz pressão no
colo, ajudando-o a se abrir, e isso acontece com mais eficácia ainda após o
rompimento (natural) da bolsa. Com o colo totalmente aberto, pode ser que ele
faça uma pausa antes de prosseguir. Como se tivesse aberto o portal, mas, na
hora, bate um medo de passar para o outro lado: o que será que encontrará lá?
Um mundo frio, hostil e estranho ou um lugar quente e seguro, não muito
diferente de seu antigo lar, só que muito mais interessante?
Passando para a segunda fase do trabalho de parto – a expulsão –
o bebê desce ainda mais, e faz movimentos para facilitar a passagem pelo canal
de parto, que tem como sustentação os ossos da bacia (em formato oval) e os
músculos e tecidos macios do períneo (assoalho pélvico). Se sua mãe estiver
sendo bem atendida, numa posição confortável, com liberdade de movimento e sem
receber ordens de fazer força, a ação do útero, a gravidade e o saber
instintivo mãe-e-bebê contribuirão para que ele vá descendo e girando –
lentamente, com possíveis sobes e desces – esticando com cuidado o períneo
elástico da mãe. A pressão do canal de parto, quente e seguro, mas talvez um
tanto desconfortável para o pequenino, ajuda a apertar seus pulmões, para que o
líquido seja expelido, o que facilitará a sua primeira respiração. No mais,
nessa decida pelos tecidos da mãe, o bebê ingere bactérias benéficas, que logo
colonizarão seu intestino, contribuindo (e muito) para uma flora intestinal
saudável e eficiente. É um percurso difícil e desafiador, mas ele consegue e,
enfim, emerge. Mãos quentes o recepcionam. Ele está acordado e alerta, apesar
do medo. Na próxima contração, sai o seu corpo, girando, e ele é colocado no
ventre da mãe. É um susto, uma emoção e tanto, mas ele reconhece o cheiro, o
calor, a voz. Recebe ainda o sangue oxigenado da placenta, mas já se acostuma,
aos poucos, como o ar e o novo meio que o cerca. Ele conseguiu: embarcou numa
viagem, trabalhou, persistiu. Pode ser que tenha passado, literalmente, por
alguns apertos (hehe) , mas foi vitorioso. E, no futuro, ele poderá
dizer, com orgulho, que ele, de fato, nasceu.
Minutos após o parto, o bebê cansado é acolhido pelos seus pais
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